A Base Nacional Comum Curricular na etapa da Educação Infantil destaca que parte do trabalho do educador é refletir, selecionar, organizar, planejar, mediar e monitorar o conjunto das práticas e interações, garantindo a pluralidade de situações que promovam o desenvolvimento pleno e as aprendizagens das crianças.
O documento também reflete que é preciso acompanhar as práticas realizadas nessa etapa e as aprendizagens, realizando a observação da trajetória das crianças e de toda a turma, levando em consideração suas conquistas, avanços e possibilidades. Isso pode ser feito por meio de diversos registros, feitos em diferentes momentos (como relatórios, portfólios, fotografias, desenhos e textos).
Segundo o pesquisador Aldo Fortunati (2009), “a documentação nasce da observação e observar não é um ato neutro que simplesmente reproduz a realidade. É, ao contrário, um ato neutro interpretativo, que traduz intenções, concepções, valores, expectativas e representações do observador que, ao documentar, revela o seu olhar, o seu pensamento e sua prática na documentação produzida”.
Ao documentar as experiências, pensamentos, falas, desejos e ideias, o professor tece a memória das aprendizagens das crianças, que são recursos de análises e reflexões sobre o seu fazer pedagógico, abrindo espaço para rever o caminho pedagógico percorrido, além de oportunizar que ele possa articular os aspectos teóricos e práticos de sua ação docente.
O termo “documentação pedagógica” insere-se em uma proposta que considera a importância da escuta, da observação e do registro para conhecer as crianças (Edwards, Gandini e Forman, 1999).
A documentação pedagógica na Educação Infantil tem sua origem e principal inspiração na experiência educacional da cidade de Reggio Emilia, na Itália, após a Segunda Guerra Mundial.
Loris Malaguzzi, pedagogo e psicólogo, foi um dos grandes idealizadores dessa abordagem. O conceito de documentação pedagógica surgiu da necessidade de tornar visível a aprendizagem das crianças e o trabalho dos professores, permitindo que a escola se comunicasse com as famílias e com a comunidade de maneira transparente e reflexiva.
A documentação, nesse contexto, é marcada pela escuta ativa, que necessita de sensibilidade, para compreender e se conectar com o outro. A professora e pesquisadora Carla Rinaldi (2012) adverte que documentar é um compromisso, que requer disposição para acolher as vozes do outro, não somente com as orelhas, mas com todos os nossos sentidos.
“Pra Documentar, na beleza de capturar e revelar instantâneos que traduzam as cores, as formas e os conteúdos dos processos vivenciados pelas crianças, é preciso que o adulto conserve (ou recupere) o mesmo senso de maravilha vivido pelas crianças em suas descobertas” (Malaguzzi 199, p.98).
“Compartilhar a documentação representa participar de um verdadeiro ato de democracia, dando suporte à visibilidade e à cultura da infância, tanto dentro quanto fora da escola: participação democrática, ou “democracia participante”, que é resultado da troca e da visibilidade”. Carla Rinaldi (2012, p 113)
A documentação é uma ponte que conecta as famílias e a escola, apresentando os processos vivenciados por seus filhos na Educação Infantil. Dessa forma, não só se apresenta o que a criança está fazendo, mas também como e o porquê, suas hipóteses e interesses sobre o mundo, dando visibilidade ao trabalho pedagógico do professor, construindo uma memória coletiva e expressando para a comunidade a identidade e os valores que são importantíssimos para o projeto pedagógico da escola.
Essa ferramenta convida as famílias a participarem ativamente da educação de seus filhos, pois incentiva que elas conheçam e valorizem a escola como um espaço de cultura da infância e construção de conhecimentos.
Os instrumentos de documentação pedagógica na Educação Infantil são bastante variados, e a escolha de qual utilizar depende do objetivo e do contexto da atividade. O mais importante é que a documentação sirva como uma ferramenta para a reflexão e para tornar visível o processo de aprendizagem das crianças.
Para que se tenha uma rica documentação pedagógica, o professor precisa dar visibilidade às estratégias e conhecimentos que cada criança utiliza nos grupos e contextos. Ele precisa também revisitar, ao longo do tempo, experiências vividas, refletindo sobre as ações, processos cognitivos e fazendo uma autoavaliação sobre sua prática.
Garantir que as crianças sejam escutadas e que possam escutar é essencial para a construção do conhecimento. A pedagoga Madalena Freire destaca que a escuta ativa vai muito além de simplesmente ouvir; está ligada à capacidade do professor de observar, com o olhar sensível e reflexivo, estando presente na ação e na relação com o grupo.
A escuta é um compromisso que o educador assume com as crianças, permitindo que elas tenham o direito de vivenciar as experiências da infância com criatividade, confiança e autonomia na busca incessante em descobrir e entender o mundo que a cerca.
Registrar os acontecimentos do cotidiano das crianças promove um olhar atento para o planejamento prévio e também o vivido, pois o professor se depara com que aconteceu durante a vivência com as crianças, percebe os interesses, as faltas e as possibilidades de ir além do grupo.
Os registros fornecem materiais para intervenções e conquistas, portanto, possibilitam o docente a assumir o seu papel como observador atento, construindo memórias como ferramenta de sua formação profissional, conhecendo e se apropriando da realidade para transformá-la.
A documentação é um processo contínuo de observar, registrar, interpretar e narrar as aprendizagens das crianças. O objetivo não é medir o que foi aprendido pelas crianças, mas dar visibilidade ao percurso de construção do conhecimento, suas estratégias, conquistas e as suas múltiplas linguagens. Essa abordagem transforma a forma como os educadores valorizam as relações e potencialidades de cada criança, priorizando a cultura da infância em vez de resultados de notas ou testes.
A Coleção Descobrir e Aprender, destinada à Educação Infantil, defende, na sua proposta, que a documentação pedagógica pode se tornar o coração do trabalho pedagógico, pois oferece um caminho de escuta e ferramentas que convidam o professor a refletir a fundo o processo de aprendizagem de cada criança e assim planejar e construir ações que sejam de fato criativas e significativas, valorizando as ideias, as escolhas e protagonismo de todo o grupo.
“A documentação pedagógica é, conforme sustenta Dolci (2021), uma forma de consolidar um processo pedagógico. Seguindo essa mesma ideia, não são apenas memórias de algo que aconteceu, são também processos que nos permitem compreender como fizemos o que fizemos” (DAVOLI,2011, p. 28).
Pensando em ajudar no registro do processo de desenvolvimento das crianças, a Coleção Descobrir e Aprender irá lançar, em 2026, uma ferramenta digital para que os professores da Educação Infantil possam registrar as experiências e aprendizagem da sua turma. Aguardem as novidades!